terça-feira, 30 de novembro de 2010

Até que ponto as previsões de Kurzweil são boas mesmo?

Immanuel Kant, para quem a máxima do Iluminismo poderia ser "Sapere Aude!" ("Ouse saber!" ou "Ouse pensar com sua própria inteligência!"). Antes de alguém pretender aumentar a própria inteligência, precisa aproveitar toda a inteligência já disponível entre as orelhas e empregá-la, tão bem quanto possível, na árdua tarefa de pensar com a própria cabeça.  

Gostaria de escrever um dia com mais detalhes sobre as previsões de Kurzweil para o futuro da humanidade (um bom resumo delas pode ser encontrado aqui: http://goo.gl/ev8qU).

Antecipadamente, o que posso dizer é que tendo a concordar com a visão geral de Kurzweil sobre o futuro (o surgimento de superinteligências artificiais e a possibilidade de seres humanos transcendermos nossas limitações biológicas e atingirmos um estado de civilização cuja melhor descrição seria a utopia -- embora Kurzweil pareça não gostar do termo e já adverte: surgirão novos tipos de problemas). As visões do grande inventor são para mim plausíveis e instigantes e vejo Kurzweil como uma mistura de Thomas Edson com Júlio Verne.. Na verdade, acho que são as melhores previsões de futuro remoto que conheço e que fazem sentido -- o que não significa que sejam perfeitas.

No entanto, como o futurismo é uma mistura de arte da aproximação e ciência (e talvez esteja mais próximo daquela), tenho dúvidas quanto ao timing de suas previsões: será que elas se concretizarão tão rapidamente quanto ele propõe? Tendo a pensar que, em muitos casos, elas demorarão um pouco mais (eu chutaria: algo em torno de uma ou duas gerações, isto é, de 20 a 40 anos ou mais).

Para quem quiser se beneficiar de uma visão crítica das previsões de Kurzweil, vale a pena conferir o artigo Ray Kurzweil's Slippery Futurism . O artigo não nega o brilhantismo de Kurzweil, mas sugere que várias de suas previsões, se vistas de perto, não são tão boas assim (ou são óbvias ou ambíguas demais -- problema comum às profecias). O artigo é bom, mas, cultivar o hábito de exercitar o espírito crítico é ainda melhor, em razão do que recomendo também a leitura dos comentários dos leitores daquele artigo (muitos defendendo o ponto de vista de Kurzweil com bons argumentos) e, ainda, do documento "How my predictions are faring" ("Como minhas previsões estão se saindo") publicada pelo próprio Kurzweil em que ele defende suas previsões (http://www.kurzweilai.net/predictions/download.php).

Em "How my predictions are faring", Ray Kurzweil, defende que 89 das 108 previsões que ele fez estavam  totalmente corretas até o final de 2009, 13 estavam "essencialmente correta" (para um total de 102 em 108), outras 3, parcialmente corretas e 3 erradas, a mais de dez anos pela frente de concretização, contabilizando um total de acerto de 89%.

Eu não li todo o documento, mas, pela a olhada que dei, não diria que houve 89% de acertos, até por conta da ambiguidade que as palavras em alguns casos proporcionam. Mas, algo me pareceu claro: ele mais acerta do que erra (eu diria: seguramente uns 70%) e, mesmo quando erra, talvez se possa dizer que a visão geral estivesse correta. Por exemplo, uma das profecias consideradas erradas é a de que em 2009 existiriam carros que se dirigem sozinhos. Era um grande desafio da engenharia, mas, se não me falha a memória, foi exatamente em 2009 que um desses carros venceu um prêmio oferecido pelo DARPA, nos EUA. E, em 2010, a imprensa dos EUA flagrou os "Google  Driverless Cars", carros do Google sem motorista que entravam e saiam das instalações da empresa sem que o motorista precisasse colocar as mãos no volante. A profecia estava errada (nós não temos esses casos) quanto disseminação da tecnologia, mas não a sua possibilidade de implementação técnica, que pareceria um sonho na década de 90, mas foi atingida.

"Google Driverless Car": o carro projetado por engenheiros do Google que dirige sozinho, em 2010. Kurzweil previu nos anos 90 (quando a tecnologia não existia) que teríamos um destes. De fato, não temos, mas a tecnologia apareceu e em 2010 carros que se autodirigem já tinham percorrido 140.000,00 milhas na Califórnia. Veja um vídeo aqui: Google Driverless Car.

Um ponto importanet do artigo da IEEE é que uma apreciação satisfatória das previsões requeriria que elas fossem quantificadas, o que lhes permitiria serem falseadas ou confirmadas facilmente.  Isso seria ótimo, mas isso, talvez, vá além do ponto interessante (e das reais possibilidades) em Kurzweil: não se trata de saber em termos preciso qual engenhoca vai estar disponível, mas saber que existem certos índices que tem apresentado crescimento padronizado, na forma de uma curva exponencial , isto está ocorrendo há muito tempo, de maneira ininterrupta e podemos tirar consequências importantes disto.

Transhumanistas costumam apontar que as raízes do transhumanismo estão fincadas no racionalismo humanista (confira aqui: A History of Transhumanist Thought). Sendo esta invocação autêntica, o pensamento transhumanista (mesmo o ocasional e despretensioso de um blog!) deve sempre partir da máxima kantiana do racionalismo humanista: "Sapere Aude!" (que traduz: "Ouse saber!" "Ouse pensar com sua própria inteligência!"), o que tem por consequência mais óbvia e imediata a rejeição da disposição para seguir cegamente líderes. Quaisquer tendências nesse sentido, por mais tênues que sejam, devem ser vistas com desconfiança, mesmo em se tratando de um "profeta do bem", como penso ser o caso de Ray. Vamos chamar as coisas pelo nome: seguir líderes cegamente é uma tremenda burrice e uma das principais causas dos grandes problemas da humanidade. 

Moral da história: antes de ser um transhumanista é preciso ser racional, com as ferramentas do pensamento que já se encontram há disposição há uns 400 anos: é preciso manter a mente aberta e cultivar o espírito crítico, cético e independete (aliás, o espírito crítico é um bom aliado do ceticismo, pois este também não é indefeso ao erro e ao exagero). Antes de alguém querer aumentar a própria inteligência, precisa aproveitar o bocado de inteligência já disponível entre as orelhas e empregá-la, tão bem quanto possível, na árdua tarefa de pensar com a própria cabeça. Esta tarefa é sempre indelegável. Eis é o ponto de partida do transhumanismo.

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