sábado, 4 de junho de 2011

Khan Academy e a desigualdade da educação no Brasil


***Veja abaixo: atualizado em 13/02/2012 com notícia dos vídeos dublados em português pela Fundação Lemann***
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Acabei de assistir ao Colbert Report sobre Salman Khan (em inglês). Simplesmente fantástico! Faz tempo que queria escrever sobre o Khan aqui.

Para quem não conhece, a Khan Academy tem a ver com isto: disponibilizar a melhor educação possível (melhor, por exemplo, que a de escolas tradicionais ou os caríssimos cursinhos preparatórios para o vestibular) para todos, em qualquer lugar do mundo, gratuitamente: sejam os filhos do Bill Gates (sim, Bill Gates disse que usa a Khan Academy com seus filhos), seja um aluno pobre (com acesso à internet) na periferia de São Paulo ou no interior do Piauí.

Salman Khan é um jovem adulto americano descendente de indianos. Formou-se em engenharia e ciência da computação pelo MIT e tem um MBA por Harvard. Trabalhava como analista de fundo de investimentos, emprego que largou para dedicar-se inteiramente à Khan Academy (na palestra abaixo ele explica como surgiu a Khan Academy: ajudando suas sobrinhas no dever de casa). Seu projeto foi contemplado com doações milionárias do Google e da fundação de Bill Gates, bem como de várias outras pessoas pelo mundo afora.

Alguém consegue imaginar o impacto que algo como a Khan Academy pode ter em países desiguais como o Brasil, onde o acesso a universidade pública é socialmente restringido pela péssima qualidade do ensino público (uma máquina de destruir talentos) de um lado e a indústria, para muitos inacessível, de cursinhos de outro? Eis o maravilhoso modelo de civilização que conseguimos criar nos trópicos: a péssima qualidade do ensino público -- que destrói o futuro e as oportunidades de ascensão social de dezenas de milhões de crianças -- abre um dos mais rentáveis nichos econômicos no Brasil, a indústria dos cursinhos.

Já li alguns analistas dizendo que a Khan Academy é o começo de algo muito grande, podendo se tornar uma das mais influentes instituições de ensino de todo mundo no futuro, algo como o MIT do século XXI. E acho que estão fundamentalmente corretos.  Eu mesmo sou um aluno da Khan Academy, acho o "mapa do conhecimento" (em forma de galáxia) deles fantástico e dedico algumas horas por semana ao estudo de matemática (quero completar integralmente o curso de matemática da Khan Academy). O software deles, ao que parece fornecido com algum suporte do Google, é outro instrumento impressionante, no geral, o estudo fica parecendo um jogo (outra grande tendência dessa década: os jogos úteis). Os exercícios são ritmados e há revisões periódicas e automáticas para se certificar de que você não está deixando as coisas para trás.

Até pouco tempo não havia legendas ou dublagem em português para os vídeos do Khan (a não ser aquela poética tradução experimental do Youtube. Mas já começaram as legendas em português na Khan Academy e, mais recentemente, um programa de dublagem (veja abaixo) das aulas para o português.
A minha opinião é de que Khan, a despeito de toda sabedoria convencional, está demonstrando que "vídeos com palestras-aula e exercícios online são educação". Milhões de pessoas estão experimentando exatamente isso. Isso elimina os outros fatores importantes para a educação, como pais ou amigos? Claro que não. Mas a "tecnologia Khan Academy" pode se tornar um fator principal de modo a compensar até certo ponto a carência de outros (como dar família ou pais interessados para quem não tem?). Você pode não ter amigos motivados na educação, mas pode conhecer vários pelo próprio ambiente do youtube ou outros que venham a ser criados (o OCW-MIT criou um). Eu diria ainda mais: vários desses fatores são opcionais. A história está cheia de exemplos de autodidatas que foram capazes de realizações significativas mesmo ausentes -- ou a despeito de -- vários desses fatores (pais ou amigos estudiosos etc.). E agora os autodidatas têm mais uma grande ferramenta: a Khan Academy.

Mas para que a sociedade faça a transição para novos modelos de educação, será preciso experimentar e aperfeiçoar o modelo e, talvez o principal, vencer resistências. E a resistência vem de quem mais poderia ganhar com novos modelos: os professores. Se alguém me perguntasse sobre uma característica de nossas instituições de ensino no Brasil, eu apontaria: são instituições burocráticas que gravitam em torno de interesses corporativos (mal representados, é claro). A despeito de todo pernosticismo e teorias que envolve a educação no Brasil, a última coisa a se preocupar é com os alunos ou melhor, o que se passa na cabeça deles: aquisição e produção de conhecimento. Crie um projeto vago e imensurável, empregue alguns termos abstratos e incomuns como "agentes multiplicadores" e, “voilà”, você tem um projeto promissor!

E, se você fala em medir resultados, está atentando contra os professores! Na universidade brasileira a coisa fica pior. Porque aí não há só os interesses corporativos dos professores, há também os interesses dos servidores, técnicos administrativos etc. Já ouvi dizer que houve caso em universidade no Brasil em que o voto de servidor (no conjunto) valia mais que o dos professores. Vence as eleições quem distribui mais churrasco e cerveja. Definitivamente, não é por acaso que não somos uma potência tecnológica.
 
Pois bem, vejo que em relação à Khan Academy há um certo receio dos professores de serem diminuídos ou suplantados pela automação, pela descoberta de uma fórmula capaz de fazer de maneira melhor, tremendamente econômica e "em massa" o que se fazia individualmente (os médicos também vão ter que enfrentar esta questão com o Ibm Watson: ele venceu um grupo de médicos recentemente em uma disputa envolvendo diagnóstico). Esta é uma visão muito equivocada e estreita. É olhar para o risco, mas não para as novas oportunidades. A Khan Academy não dispensa os professores; pelo contrário, os qualifica: o professor, agora, pode, além de repetidor de explicações, um analista, um "coacher" de jovens cérebros. É algo mais qualificado, mais criativo, menos repetitivo e desgastante e ele provavelmente seria melhor pago por isso. Infelizmente, as pessoas não costumam estar abertas a novas ideias e oportunidades. É como a história do macaco com a mão na cumbuca: ele morre na armadilha mas não abre a mão.

Politicamente, tendo a me identificar alguns ideais libertários e alguns ideias de esquerda, sempre aberto a outras contribuições, sem a militância irritante dos defensores mais radicais de ideologias que querem distorcer o mundo a qualquer custo para enquadrá-lo em suas visões (Tenho dúvidas, por exemplo, quando leio na revista Veja coisas como "A China virou a segunda potência do mundo porque seguiu a cartilha liberal que defendemos..." e que os EUA, que sempre fazem "tudo certo", "estão próximos de garantir o acesso à educação superior a quase todos seus jovens"; será mesmo? E o débito universitário?). Quando se verifica que o mal funcionamento de uma sociedade (como a má qualidade da educação pública no Brasil) se torna uma indústria lucrativa, acho que todos podemos concordar, independentemente de filiação ideológica, que temos um grande problema. A desigualdade na educação é o maior atentado que uma sociedade pode cometer contra a liberdade: é você matar não só a liberdade, mas até a mera possibilidade da liberdade no seu berço. E esse nível de desigualdade não é o mesmo na Dinamarca, na Califórnia ou na Índia e no Brasil. Criar um mecanismo (como a Khan Academy) para oferecer as melhores ferramentas de educação e colaboração independentemente de onde a pessoa esteja (isto é, se ela der a sorte de não estar em lugares com a internet bloqueada como a Coreia do Norte ou Cuba) é, para mim, um grande, um enorme avanço da civilização.

Quem quiser entender melhor a Khan Academy, vale a pena conferir e divulgar a palestra do TED abaixo.

 



***ATUALIZAÇÃO***
(13/02/2012)
Além das legendas embutidas nos vídeos da Khan Academy, A Fundação Lemann (www.fundacaolemann.org.br/khanportugues), em parceria com o Instituto Península e o Instituto Natura (mais uma iniciativa arrojada do empresário Guilherme Leal) começou a dublar os vídeos da Khan Academy, com dublagem profissional. E a boa notícia fica ainda melhor: assim como na Califórnia e em outros lugares dos EUA, o projeto da Fundação Lemann e seus parceiros pretende levar a Khan Academy para dentro das escolas, em um experimento para tentar aprimorar a educação (mais informações: http://www.fundacaolemann.org.br/khanportugues/nas-escolas.php). Parabéns à Fundação Lemann, ao Instituto Natura e ao Instituto Península pela iniciativa: isso é filantropia de grande alavancagem!

Lembre-se: além os vídeos, a Khan Academy abrange exercícios (com revisões agendadas) e estatísticas detalhadas sobre o aprendizado (veja o vídeo de Salman Khan no TED para entender melhor isso: http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/salman_khan_let_s_use_video_to_reinvent_education.html).

Quando vejo esses vídeos da Khan Academy (veja a lista completa:
www.fundacaolemann.org.br/khanportugues), lembro desta frase de Miguel Nicolelis: "Ciência é o melhor emprego que existe, pagam você para ser moleque, experimentar, se divertir."


Primeira Lei de Newton:


Números primos:
 

Introdução à seleção natural:

Post revisado em 29/03/2012

10 comentários:

  1. É um projecto maravilhoso! Embora a uma escala e complexidade bem diferentes, faz-me lembrar o projecto da Vestibulandia do professor Nerckie - um ensino justo!

    E, neste caso, não se trata apenas de justiça social, é uma ideia que revoluciona os métodos de aprendizagem - muito mais eficazes, de encontro às necessidades causadas pela evolução cada vez mais rápida.

    Espero que revolucione o ensino a nível mundial, a médio prazo.

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  2. Olá! Admiro muito o Khan e acho o projeto dele muito promissor. Só queria fazer algumas ressalvas aos seus comentários:

    1. Vídeos com palestras-aula e exercícios online não são "educação". Não é só com isso que resolveremos o problema da educação de qualidade. Várias outras coisas influenciam na educação, como relacionamento com outras pessoas: professor, família, amigos, infra-estrutura, acesso a outras formas de informação, outras atividades, etc.
    2. Não é só o Brasil que é desigual, ele é é bastante desigual, mas todos os países são, até os mais ideais wellfare states são desiguais.

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  3. Olá, Leite, obrigado pela sua contribuição. Eu responderia o seguinte: (talvez adicione esses comentários depois ao post acima)
    1) Acho que o que Khan, a despeito de toda sabedoria convencional, está demonstrando é exatamente que "Vídeos com palestras-aula e exercícios online são 'educação'". Milhões de pessoas estão experimentando exatamente isso. Isso elimina os outros fatores por você apontado? Não necessariamente. Mas a "tecnologia Khan Academy" pode se tornar um fator principal, de modo a compensar até certo ponto a carência de outros fatores (como dar família para quem não tem?). Eu diria ainda mais: vários desses fatores são opcionais. A história está cheia de exemplos de auto-didatas que foram capazes de realizações significativas mesmo ausentes -- ou a despeito de -- vários desses fatores.
    O que vejo em relação ao Khan é um certo receio dos professores de se sentirem diminuídos ou suplantados pela automação, pela descoberta de uma fórmula de fazer de maneira melhor, tremendamente econômica e "em massa" o que se fazia individualmente. Esta é uma visão muito equivocada e estreita. O método da Khan Academy não dispensa os professores; pelo contrário, os qualifica: o professor, agora, pode se tornar, além de educador, um analista, um "coacher" de jovens cérebros (e até ganhar mais por isso). Infelizmente, as pessoas não costumam estar abertas a novas ideias e oportunidades. É como a história do macaco com a mão na cumbuca.

    2) A questão da desigualdade. Concordo com você e vou além: onde houver duas pessoas reunidas, haverá desigualdade. Mas esse não é o ponto. A questão que me interessa é: o nível da desigualdade e suas consequências. E, o mais preocupante de tudo, se verifica quando a disfuncionalidade de uma sociedade (uma alta desigualdade) se torna uma indústria lucrativa. Politicamente, tendo a me identificar com os ideais liberais (e até alguns pontos do libertarianismo). No entanto, a desigualdade na educação é o maior atentado que uma sociedade pode cometer contra a liberdade: é você matar não só a liberdade, mas até a possibilidade da liberdade no seu nascedouro. E esse nível de desigualdade não é o mesmo na Dinamarca, na Califórnia ou na Índia e no Brasil, pode crer. Criar um mecanismo (como a Khan Academy) para oferecer as melhores ferramentas de educação e colaboração independentemente de onde a pessoa esteja (isto é, se ela der a sorte de não estar em lugares como a Coreia do Norte) é para mim um grande, enorme avanço.

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  4. Viva o socialismo educacional, através da Khan Academy posso ver e sentir o tudo pelo social. Com o advento da internet pode- se encontrar o que realmente se quer aprender. Talvez nem entenda com profundidade o socialismo, mas a meu ver seria isso, interesse de todos por todos. A Khan academy com o único interesse de ensinar o que sabe para quem quer aprender faz sua lição da realidade socialista. Quanto aos professores e a mídia em geral só resta despertar o interesse do querer aprender, não basta dizer aquilo ou isso sobre educação, se aqueles que precisão aprender são impulsionados a fazer o que não lhes interessam, ou seja, em casa as crianças ouvem que precisam estudar para serem alguém na vida, sendo que a realidade da vida não lhes oferecem interesse para o conhecer e numa sociedade desigual gera a regra da facilidade. Aquele que nada tem vê a vida de um modo mais viável, ou seja, tomar a força daquele que muito tem e não quer dividir com que nada tem gerando a criminalidade dos dois lados, pobre e ricos. A Khan academy da um grande exemplo de tudo pelo social disponibilizando para quem quiser mudar e recebe somente pela disponibilidade de ensinar sem nada querer ganhar.

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  5. Olá, Cunhabom, obrigado por compartilhar seus pensamentos. Dá pra ver que é uma mente aberta (um dos maiores atributos que uma mente pode ter).
    Eu também diria que não entendo muito do socialismo, mas o suficiente para perceber que é uma palavra historicamente carregada. Muita gente bem intencionada se inspirou nela, mas também muita, muita atrocidade também foi realizada usando este rótulo. Usá-la, aliás, exige um comprometimento com teorias que tentam explicar a realidade (e propor uma solução pra ela) com as quais não estou de acordo (marxismo, muito difundido no Brasil).
    Mas a sua observação é interessante porque nos faz pensar em outro socialismo, talvez o mais promissor deles: o socialismo utópico, a mudança da sociedade pela criação de novas instituições, pelo cultivo da solidariedade etc. É o que gerou as cooperativas e, hoje, o motivmento do software livre. Eu vejo uma atmosfera desse espírito no Google, por exemplo. Na área da informática existe muita, muita gente extremamente inteligente e benfazeja que acredita em dar uma contribuição para o mundo. Aliás, quase todas as pessoas retratadas aqui (Khan, Kurzweil, Aubrey de Grey etc.) têm isso em comum: são formados em ciência da computação.
    É claro que tanto o Khan quanto o Google têm seus interesses pessoais ou profissionais que vão além da auto-realização. Mas há um esforço de tentar viabilizar negócios de modo a gerar bons frutos para todo mundo, em uma lógica de abundância de que pode existir almoço grátis se alguém pagar caro pela sobremesa (caso dos anúncios do Google -- por isso os coloco aqui).

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  6. Cassini, encontro dificuldades em obter todo o programa de aulas da Khan Academy. Onde posso encontra-lo? Gostaria de fazer o curso de matemática dele, mas não sei por qual aula começar. Nem sei onde elas terminam. vc poderia me ajudar? Fiquei impressionado com a grandeza da revolução educacional que o sistema de ensino da Khan academy proporcionará ao mundo.Abs. Mateus

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  7. Olá, Mateus,
    O programa (listagem) das aulas está no próprio site. O programa (software) também, é só online. Basta fazer login com uma conta do Google, clicar em PRATICE e começar! Qdo der, tentarei fazer um pequeno tutorial.

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