domingo, 25 de setembro de 2011

Richard Dawkins sobre transhumanismo e a singularidade: sim, é possível a existência de seres "semelhantes a deuses"

Richard Dawkins: o professor da glamurosa Oxford que resolveu dar a cara a tapa criticando a religião. No entanto, para ele, seres semelhantes a deuses são possíveis -- pela evolução tecnológica.

O rei dos céticos, o príncipe dos ateus. Um dos maiores biólogos evolucionários da história. Um dos poucos cientistas popstar, que saiu do conforto de Oxford para dar a cara a tapa criticando a religião. Para os crentes, o cavaleiro-mor do Apocalipse (os outros três cavaleiros do apocalipse são: Sam Harris, Daniel Dennett e Cristopher Hitchens). Em uma entrevista ao New York Times desta semana, Richard Dawkins indiretamente (a entrevista não era sobre isso) endossa a hipótese dos transhumanistas e singularitarianos: a de que a humanidade pode evoluir para algo semelhante a deuses (no entanto, acho que entre Dawkins e os singularitarianos pode haver uma divergência grande quanto ao timing desta evolução).

O cientista militante: "Provavelmente não existe nenhum deus. Agora pare de se preocupar e aproveite sua vida."

Essa declaração do Dawkins é boa porque serve para reforçar a demarcação (para alguns, nem sempre nítida) entre, de um lado, pensamentos de tendência transhumanista, e, de outro lado, o pensamento religioso. Transhumanistas se valem da  explicação científica.

Abaixo, minha tradução do trecho da entrevista que trata do assunto. Entrevista original e completa (em inglês) aqui.

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Após duas horas de conversa, o professor Dawkins anda longe. Ele fala da possibilidade de que poderíamos co-evoluir com computadores, um destino de silício. E ele está intrigado com o lúdico, mesmo comoventes escritos de Freeman Dyson, o físico teórico.

Em um ensaio, Professor Dyson se lança a milhões de anos especulativos para o futuro. Nossa galáxia está morrendo e os seres humanos evoluíram para algo como raios de energia inteligente e moral superpoderosa.

Isso não parece terrivel descrição de Deus?

"Certamente", o professor Dawkins responde. "É muito plausível que no universo existam criaturas semelhantes a deuses."

Ele levanta a mão, apenas no caso de um leitor pensar que ele está indo em direção a uma curva religiosa. "É muito importante entender que esses deuses foram feitos por um explicável progresso científico de evolução incremental."

Poderiam ser imortais? O professor dá os ombros.

"Provavelmente não." Ele sorri e acrescenta: "Mas eu não quero ser demasiado dogmático sobre isso."
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 Talvez você também se interesse por este outro artigo:

Dr. Michio Kaku: nos tornaremos os deuses que uma vez tememos


P.S. -- O título da postagem é ligeiramente desonesto, mas me explico. Dawkins não falou diretamente do transhumanismo ou do movimento da singularidade (movimentos diversificados e, sem dúvida, com alguns setores suscetíveis à crítica), mas se referiu aos tema comuns das superinteligências, hibridização do homem e da máquina e possibilidade da imortalidade. A razão deste título (e de vários outros pouco imaginativos deste blog) é simplesmente para facilitar que o post seja encontrado na busca pelo Google.

Folha de São Paulo: Cérebro humano tem viés religioso 'de fábrica'


Trecho de artigo interessante publicado na Folha, ligando a religiosidade a perfis cognitivos. De um lado, os ateus ultralógicos se aproximam do espectro autista e é desse campo que sai um bom número de grandes físicos e engenheiros. Por sua vez, os ultrarreligiosos (capazes de ver e falar com espíritos) se aproximam da esquizofrenia. Mentes diferentes habitando universos completamente diferentes.

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22/09/2011 - 05h30

Análise: Cérebro humano tem viés religioso 'de fábrica'

HÉLIO SCHWARTSMA
ARTICULISTA DA FOLHA


"Nos últimos 20 anos, psicólogos, neurocientistas, filósofos e sociólogos se puseram esquadrinhar e teorizar sobre a religião, dando origem à nova ciência da fé. A ideia central é que, independentemente do fato de Deus existir ou não, a religião é um fenômeno real, mensurável e com a qual podemos fazer experimentos.

É claro que nada nessa área é muito consensual, mas dessas duas décadas de pesquisas emergiram algumas linhas de explicação que são relativamente bem aceitas. Ao que tudo indica, o cérebro humano vem de fábrica com uma série de vieses cognitivos que tornam a religião um subproduto natural.

Destacam-se aí nossa tendência para reconhecer padrões (indispensável para perceber regularidades) e para detectar agência (muito útil na identificação de presas e predadores). Acrescente-se a isso nossa propensão a inferir estados mentais alheios (essencial para a vida em sociedade) e temos a receita para criar deuses.

De acordo com Michael Shermer, num cálculo aproximado, ao longo dos últimos dez mil anos a humanidade produziu dez mil religiões com cerca de mil deuses.

É claro que as coisas ficam bem mais complicadas quando descemos aos detalhes.

(...)

Esse tipo de fenômeno é mais bem descrito como um gradiente cujos extremos são patológicos. A psicóloga Catherine Caldwell-Harris, por exemplo, liga o estilo cognitivo ultralógico de ateus à síndrome de Asperger, uma forma de autismo que produz um bom número de engenheiros e físicos.

Na outra ponta, Andrea Kuszewski sugere um vínculo entre esquizofrenia e religiosidade. Seguir as intuições reconhecendo padrões e agência mesmo onde não existem é que leva uma pessoa a conversar de igual para igual com uma geladeira ou a discutir com Deus."

domingo, 11 de setembro de 2011

Aperfeiçoamento Humano: experimentos em busca do mito moderno


Trecho interessante do documentário.

Quem se interessa pelo assunto "ciência versus religião" ou a busca da conciliação ou pontos de contato entre ciencia e religião, poderá se interessar pelo documentário de três episódios "Aperfeiçoamento Humano" (no original Technocalyps), produzido por Frank Theys e veiculado no History Channel de Portugal.
O documentário possui entrevistas interessantes e traz algumas revelações sobre ala transhumanista "pentecostal", isto é, aquela interessada em fazer uma colagem a qualquer custo entre ciência e religião (ao contrário das alas mais cética e críticas) e a inspiração religiosa por trás dos líderes de grandes projetos científicos, como a exploração espacial e o projeto do Genoma Humano.
A temática de "Aperfeiçoamento Humano" é semelhante a do documentário Transcendent Man, inclusive muitas das pessoas que aparecem em Transcendent Man também estão lá. Algumas entrevistas são até melhores ou pelo menos mais extensas, como a de Hugo de Garis. "Aperfeiçoamento Humano" é alguns anos mais antigo que Transcendente Man (terminou de ser filmado em 2006, enquanto Transcendent Man terminou de ser filmado em 2009).
Como eu ia dizendo, do ponto positivo há o fato de que as entrevistas são mais extensas, há outros entrevistados bons, mas, prepare-se: conclusões e entrevistados completamente malucos também estão presentes, principalmente no final do terceiro episódio (o pior de todos).
Documentário Aperfeiçoamento Humano: entrevistas boas, atmosfera "dark", imagens desagradáveis, costura apressada entre ciência e religião.

Os pontos negativos são vários. Em primeiro lugar, a atmosfera dark, de "cine trash" do documentário, a começar pelo título original, em inglês: "Technocalyps". Isso torna o documentário tão estranho e esteticamente tão desagradável que demorei um pouco para ter certeza se o filme queria fazer proselitismo ou atacar o transhumanismo. Por incrível que pareça, era proselitismo mesmo.
Abusa-se de imagens e motivos religiosos com efeitos especiais toscos de anjos, alienígenas verdes e centauros jogando futebol (e eu que pensava que os centauros eram criaturas mais sábias!). Ficaria melhor ter mostrado pinturas renascentistas do que esses efeitos especiais mal feitos. Há uma cena de impressionante mal gosto com a exposição irritantemente longa de animais atropelados. A trilha sonora parece extraída de videogame de combate.
Mas o ponto realmente negativo e inaceitável do documentário é a utilização de algumas ideias que apelam para uma credulidade quase religiosa para costurar a conciliação entre ciência e religião. Se a ideia é mostrar que religião e ciência podem caminhar juntas e que sua separação é recente, há farta evidência histórica sobre isso (ex: antigos egípcios, os alquimistas etc.). Mas é totalmente dispensável apelar para o mais bizarro dos misticismos para isso, como é feito no final do terceiro episódio. O clímax do misticismo bizarro é a  picaretíssima fala do místico francês e "profeta de extraterrestres" Rael -- uma verdadeira agressão a todo aquele que possuir um mínimo de massa encefálica entre as orelhas.
Não estou dizendo que toda ponte que se tente fazer entre a ciência e a realização é descabida ou que o filme não traz observações interessantes. Na vida, temos que tentar separar a criança da água suja. Achei muita coisa ali interessante. Só que essa relação entre tecnociência e relligião não é bem estudada, nem tampouco aproveitada (não se diz: quais pedaços de ciência e religião são inconciliáveis, quais são aproveitáveis etc.). O resultado dessa pressa é algo que é feio demais para ser atrativo como religião e crédulo demais para ser aceito por uma mente minimamente cética. É o problema da sereia transhumanista: na pressa de se desfrutar os amores de uma bela sereira, naufraga-se a nau da razão, a única que poderia levar o marujo encantado para os braços de uma mulher de verdade.
Eu tenho a intuição de que algum movimento semelhante ao transhumanismo poderá estabelecer uma ponte entre ciência e religião. Da ciência, aproveitando-se a razão como meio de apropriação e transformação do mundo. Da religião, aproveita-se a estética e os sonhos que satisfazem a dolorosa condição humana. O resultado, seria algo que tem os sonhos da religião como projetos a serem realizados pela ciência e tecnologia. Os dogmas religiosos deixam de ser dogmas em que você tem que acreditar e se transformam em projetos que você deve perseguir. Esse é o pensamento que, para mim, parece estar por trás de vários pensadores transhumanistas e no movimento da singularidade. E, na minha opinião, tem o potencial para se transformar em um mito moderno. Mito no sentido positivo que lhe dava Joseph Campbell, uma espécie de software mental que orienta nossa ação e compreensão no mundo, que organiza a relação entre o eu mortal e tudo-o-mais. Um mito que, portanto, não precisa ser necessariamente falso ou baseado no misticismo. Pode ser baseado na engenharia.
Mas o documentário Aprimoramento Humano não atinge esse objetivo, não consegue costurar bem esse mito, porque acaba apelando para um misticismo agressivo (sinceramente, Rael?!?) e para um déficit de racionalidade ou espírito cético. Mas é mais um experimento na tentativa de se costurar um mito moderno. Vale lembrar que as religiões tradicionais contaram com centenas ou milhares de anos de experimentação e seleção cultural para atingir o design atual (alguém se lembra da cena de vários pretensos messias profetizando e competindo por seguidores em "A Vida de Bryan"?). O transhumanismo e o movimento da singularidade são extremamente recentes e estão se saindo bem. Aguardemos os próximos experimentos. 

Inside Job: colocando as raposas para vigiar o galinheiro





Pensamentos que me acometeram depois de assistir o documentário "Inside Job" (http://www.youtube.com/watch?v=tytH0CQSsXo):

1- Pensava que a elite norte-americana era mais esperta;
2- Pensava que o povo americano e os promotores federais dos EUA eram bem mais espertos;
3- Para a prudente e paciente China se tornar o poder dominante, não vai ser preciso dar um tiro sequer. Basta os EUA continuarem fazendo "business as usual";
4- Bendito seja o país que é capaz de financiar, premiar (com o Oscar) e divulgar pelo mundo um filme como "Inside Job". Na China ou na ex-URSS, o diretor e sua equipe poderiam ser premiados com uma bala de fuzil (para cada um);
5- Se eu fosse eleitor americano, não premiaria Barack Obama com a reeleição (a não ser que eu descobrisse que, na casa dele, ele também coloca as raposas para vigiar o galinheiro);
6- O EUA deveriam substituir a mentalidade do dinheiro ilusório pela mentalidade da abundância, tal como defendida por Peter Diamandis (http://www.diamandis.com/?page_id=17) ou Peter Thiel (http://www.tedxsv.org/?page_id=516).