domingo, 27 de novembro de 2011

Epicurismo, estoicismo, ceticismo, cinismo - filosofias clássicas estão de volta

Por Sheila Lobato publicado originalmente na Revista Planeta

Antigas, sim, mas muito atuais. Epicurismo, estoicismo, ceticismo, cinismo - filosofias clássicas que fizeram grande sucesso bem antes da era cristã - estão de volta. O motivo? Parece que o mundo ocidental cansou das filosofias modernas, em geral pessimistas, niilistas e atormentadas pela falta de sentido da vida e da morte

Quase 2.500 anos depois, as escolas filosóficas que floresceram na Grécia Antiga estão de volta, reinterpretadas, influenciando pensadores e fazendo novos seguidores em todo o mundo.
Mas por que reinterpretadas? Porque, com o passar dos séculos, todas sofreram deformações que mudaram muito o sentido de seus conceitos. O cinismo, por exemplo, não tem nada de cínico ou vigarista: deve seu nome à praça de Cynosarge, em Atenas, onde se reuniam os adeptos da escola, na falta de um lugar construído para esse fim.
(...)
E por que estão reaparecendo filosofias tão antigas? Uma resposta, simples e direta, é que o mundo ocidental cansou das filosofias modernas. É tudo muito complicado, muito difícil, polêmico, contraditório, compreensível somente por iniciados e, mesmo para eles, em boa parte ininteligível.
Quando vislumbram caminhos no meio do matagal, elas acabam levando a becos sem saída. E não dão tréguas à dor: são pessimistas, quase sempre niilistas e atormentadas pela falta de sentido da vida e da morte.
Não há nada disso em nenhum dos grandes autores das velhas filosofias. Epicuro, Diógenes, Zenon de Chipre, Pirro, Sêneca, Marco Aurélio (sim, o imperador romano), Epiteto e outros tinham em comum a clareza e a simplicidade de suas ideias, nem por isso ralas ou reles. Pensavam e ensinavam para as grandes massas. Mas com boa formulação e fundamentação.
(...)
Essas filosofias eram um modo de vida. Não brilhavam por fazer grandes construções teóricas, mas por seus ensinamentos para melhorar a vida de cada um. Eram mais socráticas (“a vida é uma preparação para a morte”), mais pedagógicas que metafísicas. Filosofar não era uma especulação abstrata, um devaneio, mas uma busca por respostas práticas para as questões da vida diária. Nisso residiria a felicidade.

Texto completo: http://www.terra.com.br/revistaplaneta/edicoes/442/artigo144029-2.htm


Opiniões sobre o transhumanismo e sua relação com a religião

Diversas opiniões sobre o artigo de Malcolm MacIver  (Transumanismo: um sandbox secular para explorar o pós-morte?) sobre o transhumanismo e sua relação com a religião. Esses comentários foram originalmente postados aqui. É impressinante a qualidade dos comentários -- dá uma boa amostra da inteligência dessas pessoas. Resolvi traduzir alguns deles e colocar no blog.

Skrim
Eu não chamaria o transumanismo de religião - é apenas uma coleção de idéias unificada pela noção de que devemos transcender nosso estado de evolução natural biológica, que nossas mentes presente e capacidades não são o melhor que podemos fazer.
Eu chamaria o Singularitarianismo (com 'S' maiúsculo) de espécie de sistema de crenças estranhas sobre um evento pontual -- a invenção súbita de uma AGI superinteligente (em vez do desenvolvimento de AIs cada vez mais inteligentes e cada vez mais geral ao longo do tempo) ou upload da mente (em vez de uma sofisticação cada vez maior de tecnologia neural de interfaces que finalmente alcançam a simulação completa da mente) -- que, de repente, mudam tudo para sempre. Ainda não é uma religião em si, mas semelhante em suas origens psicológicas.
Jody
Eu não acredito necessariamente que em 2045 a singularidade ocorrerá, mas sou um transhumanista secular que certamente vê o paralelo entre transumanismo e religião. A maioria das religiões (pelo menos as três grandes) falam sobre a existência humana indefinidamente perpetuada e sobre o "paraíso". Há muito apelo para as pessoas nesta crença da vida após a morte. Acho que não seria ofensivo dizer que um dos maiores atrativos das religiões está nesta idéia de vida após a morte. Bem, nós ateus não acreditamos em religião, mas eu não vejo porque não podemos absorver alguns desses objetivos antigos e universais. Eu gostaria de viver para sempre e em algum tipo de felicidade, eu só não acho que eu preciso morrer e ser julgado por algum tipo de grande mágico no céu a fim de alcançar esse fim. Eu acho que a tecnologia vai fazer isso. A data de 2045 realmente não ressoa muito em mim, mas está dentro do meu período provável de vida, logo, ótimo. Eu certamente apostaria em criônica também. No pior dos cenários, estou morto e minha cabeça está congelado. No melhor dos cenários, (embora eu admita que é uma possibilidade meio remota), ressuscito e continuo a viver em um céu secular. Eu não sei que será o upload, a criônica, transferência para um novo corpo, ou alguma outra ciência imprevisível... mas estou muito confiante de que alguma forma de tecnologia vai ser o meu “deus ex machina”. Isso não é crença irracional na religião -- antes, é uma previsão otimista baseada no progresso da ciência -- mas os paralelos estão aí.
Hank Fox
O desejo consciente de não morrer é uma unidade básica de todos os seres vivos com um cérebro suficientemente grande para ser minimamente auto-consciente. E isso provavelmente tem sido uma constante nas últimas centenas de milhões de anos.
A religião tomou conta da ideia e por isso hoje temos dificuldade de falar sobre o assunto sem esbarrar em idéias religiosas. Somos forçados a abordar a discussão como se a religião tivesse inventado a ideia de amar a vida e sua continuação.
Mas, na realidade, a religião não tem nada a ver com a discussão, exceto que ela é uma das muitas coisas que poderiam ser ditas sobre o assunto.
Transumanismo, como um modelo de pensamento sobre a vida além do período normal de vida humano, não está tentando macaquear a religião. Está tentando solucionar um desejo humano básico, um desejo que precede a religião recém-chegada há alguns milhões de anos.
A religião é a resposta errada. Talvez seja a única resposta que tivemos por muito tempo, mas a religião não nos aproximou nem sequer um passo das soluções reais e, de fato, ela esteve atrapalhando as respostas reais durante toda sua existência.
Em um momento histórico em que temos uma chance de respostas reais, a religião ainda se coloca no caminho, no sentido de que não podemos sequer falar sobre o assunto sem ter de lutar imediatamente com a ideia tola de que tudo começou com a religião, e qualquer nova resposta tem de ser expressa em termos religiosos.
É como se você tivesse um bebê depois de anos possuindo gatos de estimação e seus amigos insistem que você está apenas tentando substituir seus gatos e o bebê é realmente apenas uma versão pobre de um gato. Quando a verdade é que talvez, pela primeira vez, você está feliz por ter algo DIFERENTE de um gato, algo maior, mais real e mais alegre.
Logan
(...)
Eu diria que eu sou um transhumanista (mas agnóstico sobre a sngularidade), e geralmente apoio os esforços para "curar" ou reverter o envelhecimento e eu gostaria de viver mais tempo do que uma vida humana normal, se eu pudesse, mas isso não significa que eu tenho pavor existencial sobre a morte ou quero evitá-la para sempre. Honestamente, não vejo valor na imortalidade ou na vida por dezenas de milhares de anos. Havia um antigo filósofo grego cujo nome não me recordo que dizia "onde a morte está, eu não sou. Onde eu estou, a morte não está"; por que então (esqueci o resto da citação) que eu deveria temer algo que por definição não posso experimentar? É como ter medo de um sentimento insensível. Medo de como se vai existir durante a sua inexistência. O processo da morte em si provavelmente desagrada, mas, o que posso fazer?
O medo da morte não pode ser superado apenas pela lógica, mas esse é um bom inicio, tanto quanto como os ateus pensam e sentem sobre a morte. Entre os ateus, há uma boa dose de estoicismo em face do inevitável e contentamento com a quantidade limitada de tempo (se é 20 anos ou 200 anos ou 2000 anos) que você tem que viver. Veja, por exemplo, o último capítulo do livro de Ronald Aronson "Viver Sem Deus". Há também uma boa entrevista estendida entre Richard Dawkins e Dan Dennett em que eles falam sobre a beleza da ciência e as perspectivas naturalistas sobre a morte (acho que foi no documentário "Genius of Charles Darwin" de Dawkins).
Não, a razão pela qual eu apoio o transumanismo e a pesquisa anti-envelhecimento é porque é apenas uma extensão dos princípios e objetivos da medicina (e da vida em geral) nos quais todos nós estamos de acordo: aumentar a qualidade e a quantidade dos anos que estamos vivos para o maior número de pessoas. Não há conflito necessário entre esta perspectiva e a perspectiva do estoicismo/contentamento; arriscando um clichê, eu diria que se trata apenas de reconhecer quais condições você pode mudar e quais você não pode.
Cassini (comentando Malcolm MacIver e  Logan)
Sobre o excelente texto de Malcolm MacIver eu diria o seguinte: mais do que nos permitir falar sobre a morte, o transhumanismo nos permite (e nos incita) a fazer alguma coisa em relação a ela.
Sobre os argumentos de Logan e a citação grega de que não há sofrimento, não há dor, não há nada na morte, eu diria que o problema é que essa racionalização filosófica para mim erra o alvo, que é a vida e nosso desejo de viver. O problema está na sombra que a morte lança sobre a vida, uma espécie de depleção de sentido capaz de minar boa parte de nossas energias para levar uma vida alegre e lutar, realizar sacrifícios, por aquilo que elegemos como nossos objetivos (e até mesmo para escolher objetivos).

Jody
Eu sou ateu, e tenho medo da morte. O pensamento de deixar de existir é horrível para mim, e não acho contentamento nele. Eu só não o temo o bastante para tornar-me irracional e passar a acreditar em magia. Mas eu sou um transhumanista porque eu quero evitar a morte -- ou, como alguns transumanistas dizem, a morte “não voluntária". Eu não acho que a morte, especialmente a morte de uma consciência humana, seja algo bom, nobre ou necessário. Eu acho que é algo a ser derrotado.
Matt Brown
Tenho pensando muito sobre a relação entre transhumaismo e religião tradicional e quanto mais eu penso, mais em comum eles parecem ter. Agora devo dizer que sou ateu e, como regra geral, vejo a religião como ultrapassada na melhor das hipóteses, mas parece óbvio que a religião, ou um análogo a ela, ainda serve a um propósito na sociedade moderna.
O problema com estes tipos de discussões começa com a definição do que exatamente é uma religião. Se aceitamos a definição de um sistema que envolve a adoração de deuses e deusas, um conceito do sagrado e do profano, e os enfeites de cerimônias religiosas, então, obviamente o transhumanismo não se encaixa nisso. Mas a religião tem tido muitas definições e nem todas eles são tão restritivas. Se aceitamos a definição de religião como uma visão de mundo que tenta responder a algumas das questões profundas que os humanos têm sobre a nossa própria existência (por que estamos aqui, qual o propósito que minha existência tem, etc.), a diferença entre os dois tornam-se cada vez menos e menos aparente.
Dito isso, eu não acredito que transumanismo é uma religião, mas eu tendo a concordar com o autor do texto que ele permite que os secularistas tenham uma porta para falar sobre a morte e significado. Na verdade, vou iria um passo além e diria que eu acredito que o transhumanismo está cumprindo em grande parte a mesma finalidade o mesmo que a religião faz, só que para as pessoas seculares. Os seres humanos ainda buscam de sentido para suas vidas e o transhumanismo pode ser apenas mais um canal para essa busca.
Malcolm MacIver
@ Jody - Acho que às vezes tentamos romantizar a morte e sua importância na renovação davida como uma forma de confortar-nos sobre isso, mas eu concordo com grande parte de sua opinião. A vida é fantástica -- já a morte e a estrada longa e dolorosa de declínio cognitivo e físico que nos levam a ela é tudo, menos isso.
Marjorie Kaye
Curiosidade responde por grande parte do meu interesse no transhumanismo, assim como o medo da morte. Até recentemente, ou você aceitava seu destino como uma criatura finita, ou se você fosse religioso, esperava (pelo menos se você estivesse no lado direito da equação pecado/virtude) que o seu padre/rabino/imam/ministro estava certo e havia algo grande do outro lado. Ou... você poderia congelar sua cabeça depois de sua morte e ter esperança (um pouco bruta para mim).
Essas eram as opções. Quando eu li o artigo deKurzweil sobre upload da mente em 2000, aquilo realmente me intrigou. Eu não sou um cientista, apenas curiosa. Eu quero saber se algum desses 400mil planetas tem algo ou alguém interessante. Eu gostaria de ver como as coisas serão no meu planeta natal, experimentar uma ou mais páginas da História do Homem (e da Mulher), talvez mais um capítulo inteiro, algo que estava anteriormente fora do alcance depois de setenta anos ou mais nesta terra.
Kurzweil descreve a maravilha de viver em um ambiente virtual, incluindo a escolha de sua aparência física de Lady Gaga ou Michael Jackson, se você é tão inclinado e cantar. Michael Asimov acha que versões digitais de nós irão se relacionam entre si em um nível mais profundo e complexo. Mas de acordo com o autor John Gray, estamos enganando a nós mesmos e faremos algo pior que vamos cópias imperfeitas de nós, levando todas as nossas fraquezas e conflitos conosco no ciberespaço. Talvez Gray esteja certo, mas valeria apena fazer o teste, ainda que seja para ficar por aqui um pouco mais. Em última análise, acredito que todos nós iremos querer saber o que realmente está por vir. Iremos nos libertar de qualquer pretensão de controle e seguiremos o fluxo.

Transumanismo: um sandbox secular para explorar o pós-morte?

Publicado originamente por Malcolm MacIver  no blog Science Not Fiction

Eu sou um cientista e acadêmico durante o dia, mas, à noite, sou cada vez mais chamados para falar sobre transumanismo e a singularidade. No ano passado, fui assessor de ciência de Caprica, uma série que explora as relações entre seres digitais e pessoas reais. Alguns meses atrás, participei de um painel público sobre "Mutantes, androides e ciborgs: a ciência dos filmes da cultura pop" para a filial de Chicago da NPR, a WBEZ. Esta semana ela traz um painel do diretor de Guilds of America, em Los Angeles, intitulado "A Ciência dos ciborgs" sobre a interface de máquinas para sistemas nervosos vivos.
O mais recente painel para ser adicionado à minha lista é uma discussão sobre a primeira ópera transhumanista de Tod Machover, "Death and the Powers". A ópera é sobre um inventor e empresário, Simon Powers, que está se aproximando do fim de sua vida. Ele decide criar um dispositivo (chamado “o Sistema”) que permite a ele fazer o upload de si mesmo (humm... será que isto lembra a vida de alguém que conhecemos?). Depois do segundo ato, todo o conjunto, incluindo uma série de robôs de ópera e um lustre musical (criado no MIT Media Lab), torna-se a manifestação física do agora incorpóreo Simon Powers, que ainda ouvimos cantar, mas que desapareceu do palco. Grande parte da ópera explora suas relações com sua filha e mãe aós o upload. Sua filha e esposa se perguntam se o sistema é realmente Simon Powers. Eles se perguntam se devem seguir os seus fundamentos para se juntar a ele, se a vida ainda terá sentido sem a morte. O libreto, do renomado Robert Pinsky, transforma estas perguntas em bela poesia. Ele vai estreiar em Chicago em abril.

"Eu não acho que o transumanismo está tentando ser uma religião: eu acho que ele está dando aos secularistas (como eu) uma oportunidade de falar publicamente sobre a morte, a vida após a morte (...). É deixar-nos explorar com segurança essas ideias de uma forma menos sombria do que a típica narrativa da “carne para os vermes” em que os secularistas estão geralmente limitados."

 
Essas experiências têm sido fascinantes. Mas eu não posso deixar de me perguntar, o que significa todo esse interesse repentino no transumanismo e a singularidade?

A mídia está tão saturada com a alegação de que a singularidade vai chegar em 2045 que os céticos já se posicionam na defensiva. Vale notar em meio ao rancor um resultado recente do meu amigo e colega Konrad Kording, que mostrou que o número de neurônios que podemos gravar simultaneamente segue a Lei de Moore. Não muito tempo atrás, estávamos limitados a gravação da atividade de uma única célula cerebral de cada vez. Mais recentemente, fomos capazes de gravar várias centenas de uma só vez. Quando você examina a tendência de 56 estudos diferentes, Kording e seu aluno mostraram que o número está dobrando a cada sete anos. Embora este seja um intervalo maior do que a Lei de Moore (duplicações a cada dois anos), o que é realmente importante é que o crescimento é exponencial. Crescimento exponencial está no cerne dos argumentos para a proximidade da singularidade. Considerando o resultado de Kording, no entanto, quanto tempo você acha que precisaremos para conseguirmos gravar a atividade de todos neurônios no cérebro simultaneamente? Você pode se assustar: mesmo com esse crescimento exponencial incrível, levará 220 anos. Se o upload de nossa consciência implica-se, no mínimo, a gravação do padrão de atividade de todo o cérebro (o que não é menos plausível do que todos os argumentos por aí), então não vamos resolver isso até 2231.

É claro que o tempo da singularidade não é o momento em que podemos fazer upload de consciência, mas quando criamos máquinas superinteligentes (que, segundo alguns, se dedicariam a descobrir como derrotar o envelhecimento e fazer upload de nossa consciência, ao invés de nos perseguir até os confins da galáxia). Se o ano 2045 é razoável, isso é muito discutível. Eu espero que esta data não demore mais de um século ou algo assim, mas como alguém que muitas vezes pensa em escalas de tempo evolutiva, eu ainda vejo isso como uma quantidade insignificante de tempo.

Mas e se compararmos as evidências sobre quando a singularidade irá ocorrer com as evidência de destruição ambiental (como a de que agora estamos excedendo três de dez "fronteiras planetárias" para a existência humana sustentável), é muito claro que essas ameaças à nossa existência como espécie estão se aproximando muito mais rápido no horizonte do que qualquer a singularidade ou imortalidade por upload.

Então, o que está acontecendo? O ambientalismo está "extenuado" e o transumanismo "ligado"? O transumanismo é apenas um novo fascínio fugaz, assim como a colonização do espaço foi há algum tempo, também passará em breve? Ou há algo mais original está acontecendo?

Enquanto eu refletia sobre essas questões, recentemente, ocorreu-me que talvez a tendência transhumanista tem algo a ver em fornecer às pessoas seculares, tais como cientistas, engenheiros e fãs de ficção científica, ferramentas para falarem de coisas que as pessoas religiosas já possuem há muito tempo.

Considere isto: Scott Atran, entre outros, tem argumentado que o impulso para a religião tem uma base evolutiva, enraizada em nossos medos da morte e de predadores. Desde Darwin, se não antes, tornou-se cada vez mais difícil, porém, para pessoas de espírito científico colocar suas fichas na religião. Somado a isso, é difícil ter conversas em público sobre religião, até porque vivemos em uma sociedade multi-denominacional, onde a manifestação pública da crença pode ser vista como excludente. Simplesmente não é politicamente correto em muitos casos. E se o motivo da rápida disseminação da singularidade e do transumanismo consistir em dar às pessoas de pensamento secular uma saída para falarem de seus medos da morte e sonhos de imortalidade?

Muito tem sido escrito sobre as relações entre religião e transumanismo. Muitos têm visto paralelos entre transumanismo e religião. Mas eu não acho que o transumanismo está tentando ser uma religião: eu acho que ele está dando aos secularistas (como eu) uma oportunidade de falar publicamente sobre a morte, a vida após a morte e sobre os estranhos enigmas da identidade pessoal que um dia surgirão da transformação de nós mesmos em ciborges, cópias originais de nós mesmos ou seres totalmente digitais (o que eu tenho explorado aqui, aqui e aqui). É deixar-nos explorar com segurança essas idéias de uma forma menos sombria do que a típica narrativa da “carne para os vermes” em que os secularistas estão geralmente limitados. Ao fazer isso, talvez seja preenchido um vazio que a religião costumava preencher, mas já não consegue fazê-lo, para muitos de nós.

Malcolm MacIver é um bioengenheiro na Northwestern University que estuda as bases neurais e biomecânicas da inteligência animal. Ele presta consultoria para filmes de ficção científica (“Tron Legacy”, “The Avengers” de  Joss Whedon) e foi o conselheiro científico de Caprica. Ele estuda Inteligência Artificial e robótica não ficcional.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um guia para a boa vida: a antiga arte da alegria estóica

Um guia para a boa vida: a antiga arte da alegria estóica 

Resenha do livro "A Guide to the Good Life: The Ancient Art of Stoic Joy" escrita por Daniel Markham publicada originalmente em inglês no site Hacker Books.

"Várias vezes durante a leitura fiquei espantado com a visão que os estóicos tiveram. Muitas vezes eu disse a mim mesmo: 'Se eu tivesse lido isso quando eu era adolescente! Quão melhor minha vida teria sido. Quão melhor eu teria tratado tal e tal situação'. Estou feliz em dizer que amei a descrição do autor do estoicismo como o 'Zen Budismo para pessoas analíticas', que descreve o fato de que o estoicismo não é uma religião, apenas um conjunto de ferramentas para levar uma vida melhor.
Estudiosos medievais cristãos foram confrontados com um dilema: suas crenças religiosas exigiam que eles acreditassem que a alma é salva por um relacionamento com Jesus, mas pelos antigos escritos greco-romanos recém descobertos parecia óbvio que existiram grandes homens, honrados e virtuosos, que viveram muitos séculos antes de Jesus ter nascido. Como poderiam essas pessoas de alto calibre terem vivido assim apesar de acreditarem em coisas tão diferentes?

Em um interessante hack religioso, os teólogos decidiram que tais pessoas foram "naturalmente salvas", isto é, observando e vivendo na natureza de uma forma nobre e perspicaz, eles alcançaram o objetivo principal da salvação (pelo menos naquilo com que os cristãos se preocupavam).

Esta é uma realização cultural significativa - - ter uma filosofia de vida e visão de mundo completamente diferente endossando uma maneira nova e estranha de viver -- e isso nunca foi reproduzido da mesma maneira desde então. Quando os escritores gregos e romanos foram descobertos (ou talvez "relembrados"), eles mudaram completamente a face da civilização ocidental. Tudo que você vê ao seu redor é moldado por isso: a cidade moderna, nosso modo de vida cosmopolita, o valor da virtude e do raciocínio.

Ler sobre esses cristãos, me deixou com um duplo problema: como pode o simples fato de estudar os antigos causar um tal profundo impacto sobre as pessoas? E isso não foi só com os cristãos medievais. Em todos os lugares em que eu li, pessoas famosas que estudaram os gregos e romanos descobriram que isso alterou profundamente suas vidas. O que foi que fez de George Washington uma pessoa humilde, mesmo que fosse para todos os efeitos, um novo rei? Quais são os valores que Benjamin Franklin e Thomas Jefferson tinham que me faltam? Catão era um famoso exemplo disso. Ele era conhecido como um "verdadeiro romano", um romano que cultivou o espírito do império. Ao longo dos séculos muitas pessoas aparecem com ideias sobre por que Roma caiu, mas muitos que viveram naquela época sentiam que quanto mais os romanos se afastavam dos valores de Catão, mais o império estava condenado.

Sou um hacker de corpo e mente. Sempre considerei que mexer com a maneira como meu corpo e mente funcionam é um esforço para tornar minha vida melhor: mais produtivo, perspicaz, mais alegre, mais tranquilo. Para mim, hackear sua mente e corpo tem um resultado muito mais benéfico do que simplesmente hackear alguma tecnologia. A tecnologia muda, mas você está preso ao seu corpo e sua mente. Em busca desse objetivo eu absorvi um monte de coisas.. Mas de tudo quanto li, palestras e vídeos a que assisti, obras técnicas que li, nunca fui capaz de descobrir exatamente como o estudo da vida dos gregos e romanos poderia ter um efeito transformador sobre a vida de alguém. Suas idéias, com certeza, eram estupendamente incríveis, mas isso seria capaz de produzir mudança na vida pessoal? Eu simplesmente não entendia.

Até agora.

Eu também sou meio viciado em livros e comentários na internet. Adoro ouvir as pessoas recomendando livros uns aos outros. Então, quando li os comentários de um um casal no HackerNews falando sobre o livro “A Guide to the Good Life: The Ancient Art of Stoic Joy ("Um guia para a vida boa: a antiga arte da alegria estóica"), sobre o impacto tremendo que este livro estava trazendo em suas vidas, percebi imediatamente que eu tinha que pegar esse livro e lê-lo. Isso até eu contar a ideia com meus amigos.

"Ah, com certeza", um tirador de sarro, disse sarcasticamente, "nada soa tão ‘alegre’ quanto estoicismo, certo?"

Ai.

Outro foi mais claro.

"Se os estóicos tiveram ideias tão grandes, por que todos eles se acabaram?

Ambas são boas questões e o autor teria que endereçar a elas boas respostas se o livro valesse a pena o dinheiro que paguei.

O livro caiu em minhas mãos em uma quarta-feira e consumi um par de dias nele. Uma das primeiras coisas que aprendi foi que a palavra "estóico" mudou de significado ao longo dos séculos: o que nós pensamos como estoicismo tem pouco a ver com o que os romanos pensavam desta palavra. Nós pensamos no estoicismo como algo brando, chato, sem resposta. Os romanos tinham várias escolas de filosofia e o estoicismo era apenas mais uma maneira de conduzir a própria vida.

Hoje, se você perguntar a um filósofo como levar uma vida boa, é provável que você entre em uma discussão longa e chata sobre linguística e o significado da linguagem. Naquela época, os romanos compreenderam que a filosofia estava envolvida com as grandes questões. Se você me perguntasse, eu diria que em algum momento do passado os filósofos perderam o objetivo de seus empregos.

Várias vezes durante a leitura fiquei espantado com a visão que os estóicos tiveram. Muitas vezes eu disse a mim mesmo: "Se eu tivesse lido isso quando eu era adolescente! Quão melhor minha vida teria sido. Quão melhor eu teria tratado tal e tal situação". Irvine [o autor] conseguiu não só responder minhas indagações originais, como também forneceu um vislumbre de qual era a grande questão.

Eu não vou entrar em muitos detalhes -- eu não sou um especialista e não quero turvar o pouco das águas que absorvi. Estou feliz em dizer que amei a descrição do autor do estoicismo como o "Zen Budismo para pessoas analíticas", que descreve o fato de que o estoicismo não é uma religião, apenas um conjunto de ferramentas para levar uma vida melhor. Ele também descreve a finalidade do estoicismo: ter uma vida alegre, feliz, cheia de diversão através da aprendizagem da arte de viver.
Sou um crente convicto de que há vários assuntos que são críticos para o funcionamento de uma sociedade moderna que não são ensinados às crianças: economia, cálculo, estatística, escrita criativa, vida empresarial, negociação e agora eu adiciono a essa lista o estoicismo.

Será que o livro vai ter esse enorme impacto na minha vida? Eu não sei. Tenho minhas dúvidas. Aos 45 anos, provavelmente é muito difícil mudar de rumo. Ao longo dos anos eu li um monte de livros para me levantar e tenho sido animado com o meu quinhão deles. Como parte dessa experiência, eu me tornei uma pessoa muito cínica e estou sempre à procura de modismos. Acho que para uma mudança tão grandiosa tão tarde na vida seria necessário um instrutor e um monte de tempo. Mas, quem sabe? Estou aguardando ansiosamente para integrar as práticas estóicas que estou aprendendo ao meu estilo de vida. Como muitas coisas, os conceitos parecem bastante fáceis, só que colocá-los em prática pode ser realmente muito difícil. Refaça essa pergunta para mim daqui a dez anos. Talvez eu tenha uma resposta melhor.

Mas a melhor, a mais impressionante parte deste livro, sem sombra de dúvida, consistiu em ler a excitante e clara descrição que William Irvine constrói para nos fornecer um vislumbre do que seria um romano “verdadeiro”. Ele realmente acha que Catão realmente entendia o que significava ser um estóico. Eu ganhei um enorme insight sobre a forma como essas pessoas viviam -- e não apenas suas idéias -- e como o que eles aprenderam pode ser de impacto imediato para mim hoje, agora. Quero aprender mais.

Durante a década passada, estive trabalhando duro em minha pilha de crenças. Existencialismo, agnosticismo fundamentalista e agora o estoicismo. Acho que o estoicismo se encaixa muito bem aos outros dois, dando-lhes vivacidade que, sozinhos, não possuem.

Grande história, grandes ideias, grandes insights sobre a melhor forma de viver e uma agradável leitura Como não gostar disso?

Livro: A Guide to the Good Life: The Ancient Art of Stoic Joy
Autor: William B. Irvine
Ano: 2008
Preço: R$48,00
Onde comprar: Amazon, Livraria Cultura etc.

Uma crença fatal

A maioria das pessoas costuma lidar com a morte com crenças religiosas ("há existência após a morte, que é só uma passagem" ou "há uma energia espiritual que persiste após a morte física" etc.). Embora seja menos criticado, por ser uma racionalização mais inteligente, alguns ateus mais ligados às ciências naturais (como biólogos e físicos) também procuram adocicar a morte com ideias que para mim soam implausíveis, algo como "sobrevivemos parcialmente por meio de nossos filhos, que herdam 50% de nossos genes" ou "somos poeiras das estrelas, não morremos, a matéria apenas sofre uma transformação".
Ora, quem tem um irmão gêmeo ou conhece-os, sabe que um não é o outro, embora compartilhem 100% os genes e muito da história de vida, quanto menos um filho. E quanto à ideia de que a matéria de que somos feitos sobrevive, considere: se o Museu do Louvre pegasse fogo e só restassem cinzas de seu prédio e suas peças de arte, ainda assim não haveria motivos para ficarmos tristes? Afinal, as peças de arte eram feitas daquelas cinzas... Convenhamos, este raciocínio não serve para justificar nem a perda da Monalisa, quanto mais de uma pessoa de carne e osso como foi Leonardo da Vinci ou você é. 

Alguns ateus mais ligados às ciências humanas (mais intelectuais e menos cientistas) não costumam se satisfazer com estas explicações naturais e, por sinal, parecem não se satisfazerem com qualquer outra coisa. Mas, com o perdão do estereótipo e de todas as numerosas exceções, esse tipo costuma lançar mão de uma mistura encantada de pessimismo, boemia, sexo casual e tragédia pessoal para tocar à frente a “absurda existência humana”.

Qual é o problema que vejo nestas visões? Todas elas levam as pessoas à inércia em relação ao problema da morte, seja considerando que a morte é só uma passagem para um paraíso imaginário, que a morte não existe ou que ela existe e, por conta disso, a existência humana é irremediavelmente absurda e é melhor largar o assunto pra lá.

Daí surge minha simpatia pelas ideias dos engenheiros e cientistas radicalmente otimistas e ousados, no estilo dos TEDsters ou transhumanistas. Essas pessoas, ao mesmo tempo em que são honestas o bastante para reconhecerem o problema, propõem uma solução positiva: não vamos brincar de esconde-esconde; vamos começar a pôr a mão na massa e, quem sabe assim, pelo menos nossos netos terão sorte o bastante para levar uma existência menos sombria e, quem não se der bem a tempo, fica criopreservado, que parece ser bem mais prudente que cremado.

Fora essas poucas pessoas de imaginação ousada, o restante das pessoas prefere simplesmente aceitar docilmente a morte a pensar claramente sobre o assunto, o que para mim é um paradoxo: na busca do conforto psicológico diante do medo da morte, as pessoas preferem se deixarem morrer, sem nem ao menos considerar a possibilidade de algumas soluções técnicas que começam a ser vislumbradas atualmente (como a criônica e o início das pesquisas anti-envelhecimento). Eu vejo isso como uma piada ou pegadinha existencial: a melhor forma que a maioria dos seres humanos encontra para lidar com a morte, atualmente aumenta suas chances de morrerem, da mesma forma como a gordura adiposa, que foi evolutivamente útil em eras passadas, atualmente mata as pessoas obesas. Como, disparadamente, o recurso mais utilizado é algum tipo de crença na existência após a morte (espiritismo, esoterismo, misticismo, espititualismo etc. -- já que ninguém quer mais usar a palavra "religião"), acho que não é de todo absurdo dizer que a crença na existência após a morte é uma ideia que, de certa forma, mata. Uma crença mortal. “Pesquisas anti-envelhecimento? Criônica? Isso é uma bobagem, meu lugar é no céu, junto de Deus e suas hordas celestiais.”

Mas acho que essa é uma piada lúgubre, de profundo mal gosto. Muitas pessoas maravilhosamente boas se voltam para as religiões com as melhores das intenções e com sinceridade. Como insetos que são torrados nas lâmpadas dos postes, as pessoas procuram a crença no sobrenatural atrás de vida, certezas sobre como viver a vida e segurança para uma existência espiritual após a morte. Mas tudo o que recebem por isso é a morte embrulhada no papel da ignorância. Isso me faz lembrar um versículo bíblico, em que Jesus teria indagado: "E qual o pai dentre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente? Ou, se pedir um ovo, lhe dará um escorpião?". 



Pequeno documentário sobre o estoicismo

Acho que essa visão explica um pouco a motivação de se criar um blog para divulgar essas ideias a quem possa interessar. Mas a dúvida que queria expor, é a seguinte: a consequência de não se acreditar em Deus ou na vida após a morte e nem se utilizar racionalizações para lidar com a morte é uma vida infeliz, dominada pelo pessimismo e pela ansiedade? E minha resposta é um contundente NÃO. Você não precisa se valer de crendices como a existência após a morte, nem precisa dar nó em pingo d'água para se convencer de que não existe problema algum com a morte. Podemos levar uma vida feliz apesar de tudo isso porque podemos, em larga medida, assumir o controle sobre o que sentimos. Podemos, aliás, escolher ficar felizes pelo conhecimento destes fatos, por vivermos nesta época e termos melhores chances de lidarmos com esses problemas do que qualquer outra geração anterior. Pense em alguém que tivesse essas mesmas ideias, só que em 1911. Esta pessoa, "exilada" no início do século XX, ainda estaria a 100 anos da ciência atual. Só isso já é para mim motivo de sobra para felicidade legítima. 
 
Acho importante buscarmos a felicidade e cultivarmos o otimismo em nossas vidas. Só que acho importante fazer isso sem alimentar a inação, a passividade, já que o mais importante é que cada um se engaje de alguma forma, dê sua contribuição para as causas que o comovem. Agora, se, finalmente, mesmo depois de tudo isso, chegar o momento do "apagar das luzes", podemos enfrentar esse momento com coragem e serenidade, sabendo que fizemos a nossa parte, fizemos o melhor possível, agimos conforme o que nos ditava a razão.

Essa linha de raciocínio utiliza algumas ferramentas de uma "filosofia" ou "arte de viver" muito antiga, chamada estoicismo. O estoicismo já foi considerado um precursor da terapia cognitivo-comportamental, e despertou a atenção de estudiosos como Albert Elias e Aaron Beck. Já foi chamado de o "zen budismo para mentes analíticas", por enaltecer o papel da razão e do pensamento lógico (a lógica de predicados era parte dos ensinamentos estoicos). Foi por séculos uma filosofia muito popular entre os antigos romanos e enfatizava que, para levar um vida feliz, você deve exercer o controle sobre o que está sob seu controle e cultivar a indiferença em relação ao que não está sob seu controle. Os estoicos defendiam uma vida simples e austera e sustentavam que a felicidade é encontra pela remoção dos desejos, não pela sua satisfação. Na minha leitura pessoal, o ponto central do estoicismo soa algo assim: "matenha-se firme fazendo o que você pensa que deve ser feito e descanse sua mente quanto ao resto". Uma espécie de arte do controle pessoal pelo controle racional dos pensamentos. Ao invés de uma sopa bagunçada de neurotransmissores, é você no comando.

Utilizar o estoicismo hoje certamente não é uma questão de “plug and play”. Afinal, depois de mais de dois mil anos, a humanidade aprendeu algumas coisas. Por exemplo, a visão de virtude dos estoicos soa ultrapassada em muitos pontos (submissão da mulher ou preferências sexuais, por exemplo). Estudiosos da psicoterapia moderna, como Martin Seligman, demonstraram a importância do otimismo para levar uma vida saudável (será que o otimismo seria um caminho para a indiferença estoica?). Aliás, se fosse se sente muito pessimista ou deprimido, recomendo bastante o livro "Aprenda a ser otimista" de Seligman (não é um livro de blá-blá-blá autoajuda, é um livro de divulgação científica da psicoterapia, com fundamento acadêmico ou, se preferir, é um livro de autoajuda com fundamento acadêmico).

Há também uma metafísica no estoicismo que soa para mim meio suspeita e acho que sem esta metafísica ficaria difícil sustentar com o mesmo rigor a indiferença estoica em relação à morte (os estoicos não viam problema algum na morte e alguns até se matavam). Embora não dispensassem muita importância para os rituais envolvendo os deuses romanos, era comum aos estoicos recorrerem a uma ideia panteísta de Deus, também chamado Natureza, Providência, Razão (uma visão de um deus impessoal que parece guardar semelhança com o panteísmo de Espinoza e Einstein). Mas parece que também havia espaço para um pensamento mais cético ou ao menos faziam-se questionamentos nesse sentido. Esta metafísica também abrangia a crença em algum tipo de persistência do espírito, embora este fosse considerado de natureza material. Estas ideias podem ser aproximadas de algumas ideias transhumanistas: muitos acham possível que no futuro existirão superinteligências semelhantes a deuses, uma visão que não é restrita aos transhumanistas. Em recente entrevista ao NYT, Richard Dawkins comentou sobre “a possibilidade de que poderíamos co-evoluir com computadores, um destino de silício”, mencionando os comoventes escritos do físico Freeman Dyson sobre um futuro em que “os seres humanos evoluíram para algo como raios de energia inteligente e moral superpoderosa”. Adentrando ligeiramente no terreno da ficção científica, talvez uma assembleia destas superinteligências resolva ser chamada de “Providência” ou “Faculdade Mestra”. Também é comum entre os transhumanistas a crença (justificada, no meu entender) de que a criônica pode importar em algum tipo de persistência após a morte, com a preservação do que pode consistir o aspecto mais fundamental do que vem a ser uma pessoa: o seu conexoma. Assim, mesmo a metafísica estoica não está tão absurdamente distante do que a imaginação humana atual concebe.

Indiferença grata: Professor Anton fala sobre estoicismo

Enfim, o estoicismo pode fornecer algumas ferramentas antigas que podem ser combinadas e alteradas com outras mais modernas. Dito isto, não quero dar a entender que sei muita coisa sobre o assunto. Apenas li alguns textos na internet (em português, há um texto muito bom na introdução às Meditações de Marco Aurélio), li alguns vídeos no youtube (listados abaixo, em inglês) e encomendei um livro cuja resenha compartilho na próxima postagem. É uma resenha muito boa e acho que tem tudo a ver com o espírito do blog.